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Nova cobrança de indenização ao UBER enfraquece a justiça do trabalho

Gabriel Henrique Santoro (*)

A discussão a respeito da existência ou não de um vínculo empregatício entre os motoristas e o UBER é uma dessas questões complexas que têm o poder de moldar a forma como se darão as relações trabalhistas no futuro. A razão para isso, é que o tema coloca frente a frente uma atividade totalmente nativa da era da transformação digital a um conjunto de regras estabelecidas numa época em que ninguém saberia explicar nem o que seria um smartphone quanto mais um aplicativo.

O fato é que a vida guiada por aplicativos é uma realidade presente que só aumentará no futuro. Dessa forma, há que se considerar todos os aspectos que envolvem a questão de uma forma séria e abrangente para adotar um arcabouço equilibrado de direitos e deveres para ambos os lados. Escolher qualquer um dos lados sem esgotar as alternativas de analisar todos os ângulos é uma forma de desequilibrar a balança e parece não haver dúvida de que a virtude está no equilíbrio.

Com o objetivo justamente de endereçar essa discussão da forma adequada, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou em dezembro uma audiência pública sobre o tema convocada pelo ministro Edson Fachin, relator do Recurso Extraordinário (RE 1446336), apresentado pela Uber. De acordo com o site do STF, a matéria foi considerada tão relevante que foi reconhecida como de repercussão geral (Tema 1.291). Isto significa que a tese fixada quando o caso for julgado deverá ser aplicada a todos os casos semelhantes em tramitação no Judiciário brasileiro.

Diante de tamanha responsabilidade, durante dois dias, mais de 50 pessoas, incluindo especialistas, pesquisadores e representantes de entidades da sociedade civil, apresentaram estudos, trouxeram exemplos de como o assunto tem sido tratado em outros países, revelaram argumentos pró e contra ao reconhecimento do vínculo e etc.

Ao término do evento, o ministro Fachin declarou enfatizou a importância do pluralismo e disse que o conjunto de dados e evidências, bem como as perguntas e as respostas que foram apresentados, vão trazer muitos subsídios para quando a Suprema Corte tomar a decisão final.

Ou seja, o órgão mais importante da justiça brasileira ainda não tomou uma decisão a respeito do assunto. Ainda assim, ignorando toda a energia despendida por tanta gente para falar sobre o assunto, em fevereiro de 2025 o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) condenou a Uber ao pagamento de R$ 2 milhões por “danos sociais” em uma ação individual que discutia o reconhecimento de vínculo empregatício.

Chama a atenção o fato de a decisão ter sido tomada ‘de ofício’, ou seja, sem ter sido provocada pelas partes. No processo de número 0020736-77.2022.5.04.0019, o Desembargador Marcelo José Ferlin D Ambroso, reconheceu a relação de emprego entre o motorista e a empresa no período de 01/12/2020 a 27/08/2022.

Sua argumentação é de que a pena seria cabível à plataforma devido ao fato de ela ter praticado um conceito conhecido como ‘dumping social’ , que seria caracterizado pelo descumprimento reiterado dos direitos trabalhistas com o objetivo de obter redução significativa dos custos de produção e o consequente aumento dos lucros. Mas como definir a questão desta forma se o próprio STF ainda não se pronunciou a respeito?

Ocorre que este tipo de decisão que, infelizmente, não tem sido exclusividade deste tribunal, na prática é totalmente prejudicial à credibilidade da própria justiça do trabalho.

Além de não resolver de forma adequada o caso específico que gerou a penalização, uma vez que o UBER pode e certamente vai recorrer ao STF, ainda enfraquece a Justiça do Trabalho como órgão regulador dos conflitos nesta área.

Este tipo de decisão parece reforçar a mensagem já tão consolidada no imaginário da sociedade de que a Justiça do Trabalho sempre dará ganho de causa ao trabalhador, independentemente do mérito das questões às quais ela é provocada a avaliar.

Este pensamento fornece a matéria prima para a indústria de ações trabalhistas que tanto contribui para o clima de incertezas jurídicas no ambiente de negócios brasileiro que afasta investimentos, coloca obstáculos para a geração de empregos e contribui para travar o crescimento econômico e social do país.

Não se trata de defender as plataformas, aplicativos ou as empresas que os operam. Assim como também não se trata de tomar ou não o partido dos trabalhadores.

Se trata, sim, de clamar pelo avanço na direção da responsabilidade na busca pela justiça que, não por acaso, tem como um de seus principais símbolos a balança, um instrumento cujo funcionamento depende do equilíbrio.

* Gabriel Henrique Santoro é advogado do Juveniz Jr Rolim e Ferraz Advogados.