
Com o PL nº 4/2025 em tramitação no Senado, o cônjuge sobrevivente pode deixar de ser considerado herdeiro necessário, restringindo seus direitos na ausência de testamento. Em casos de dependência financeira ou casamento prolongado, o impacto pode ser devastador, exigindo um novo olhar sobre planejamento sucessório.
A proposta de reforma do Código Civil, atualmente em análise no Congresso Nacional, provoca intensa discussão sobre o futuro do direito sucessório no Brasil. Um dos pontos mais controversos é justamente a possibilidade de excluir o cônjuge ou companheiro do rol de herdeiros necessários na presença de descendentes ou ascendentes.
Hoje, a legislação brasileira garante que filhos, netos, pais, avós e o cônjuge compartilhem obrigatoriamente metade do patrimônio do falecido — a chamada legítima. O artigo 1.845 do Código Civil de 2002 consolidou essa regra, assegurando proteção mínima ao cônjuge sobrevivente.
Caso a reforma seja aprovada, a realidade mudará de forma significativa: o viúvo ou viúva só herdará os bens se houver testamento que o inclua, mantendo, entretanto, o direito à meação de acordo com o regime de bens adotado no casamento. Em outras palavras, a figura do cônjuge deixa de ser herdeiro necessário e passa a depender exclusivamente da vontade do falecido expressa em testamento.
Direitos preservados, mas com restrições
Apesar da exclusão da legítima, permanecem direitos como a meação, o direito real de habitação e, em algumas hipóteses, usufruto ou alimentos provisórios. No entanto, especialistas alertam que essas garantias são mais frágeis e não substituem a segurança plena que a condição de herdeiro necessário assegura.
Riscos à proteção do cônjuge vulnerável
A mudança gera preocupações, principalmente em famílias nas quais o cônjuge sobrevivente depende financeiramente do falecido ou não possui patrimônio próprio. “Se o cônjuge sobreviver em situação de fragilidade econômica, sem patrimônio próprio, ele poderá ficar sem nada além da meação, mesmo sendo profundamente dependente do falecido”, explica o advogado Bruno Naide, especialista em Direito de Família.
Essa situação é especialmente grave quando o bem principal é o imóvel familiar ou quando o cônjuge dedicou a vida à manutenção do lar, abrindo mão de oportunidades profissionais.

O outro lado: a busca pela simplificação
Defensores da mudança, como o professor Flávio Tartuce, argumentam que a exclusão do cônjuge do rol de herdeiros necessários simplifica o sistema sucessório e elimina as disputas judiciais decorrentes da concorrência entre cônjuge, descendentes e ascendentes. Para eles, a reforma valoriza a autonomia da vontade e a liberdade de testar, aproximando o Brasil de sistemas jurídicos mais modernos.
O que muda na prática: necessidade de planejamento sucessório
Na prática, se o PL nº 4/2025 for aprovado, o cônjuge só herdará na ausência de descendentes ou ascendentes, ou caso seja incluído expressamente em testamento. Isso exigirá um novo olhar sobre o planejamento sucessório, com maior uso de instrumentos como testamentos, doações em vida, seguros, previdência complementar e pactos antenupciais.
“As novas regras exigirão dos casais diálogo e maturidade jurídica. O testamento não será mais uma despesa administrativa, mas uma decisão de afeto e responsabilidade”, afirma a professora Cláudia Viegas.
Em síntese, a proposta representa uma ruptura com a lógica protetiva do Código Civil atual. Embora preserve a meação e outros instrumentos parciais de proteção, transfere ao testador a responsabilidade plena sobre a destinação de seus bens. O risco de desproteção é real, sobretudo em casamentos de longa duração com desigualdade patrimonial.

Se aprovada, a reforma obrigará famílias brasileiras a antecipar escolhas e adotar estratégias de planejamento sucessório para evitar que o cônjuge sobrevivente fique em situação de vulnerabilidade.