Por Douglas Dantas com colaboração de Luciana Santos.
Morador de Vila Velha, católico, casado, pai de um casal de filhos, mineiro de BH, “mas me considero capixaba de coração”. Esse é Eugênio Ricas, que com 48 anos tem um extenso currículo: 21 anos na Polícia Federal, já tendo atuado na Polícia Civil de Mato Grosso, advogado e bancário. Na PF, já atuou na Bahia, Espírito Santo, Maranhão e Minas Gerais.
Também foi secretário de estado da Justiça, durante três anos, e de Transparência e Combate à Corrupção (Secont). Recentemente, foi nomeado como coordenador da Cesportos. Ainda foi adido policial federal da PF em Washington DC de 2018 a 2021.
Mesmo com extensa atuação, Eugênio destaca que, em momentos de lazer, gosta de ler, praticar esportes e assistir filmes. Atualmente, está lendo a biografia de Churchill e acabou de ler “Nada Pode Me Ferir”.
Onda de Criminalidade em Vila Velha
Temos números muito bons. O ES fechou 2023 com o menor número de homicídios da série histórica, desde que se começou a medir homicídios no Estado. Baixamos da casa dos mil. Do Estado que figurou como maior número de homicídios do país, hoje está entre os menores e com uma redução consistente e constante ano após ano.
Outro dado é a questão da sensação de segurança. Quando você pergunta para a pessoa, você se sente segura? Ela responde que não se sente segura porque teve um esfaqueamento, teve sequestro, teve tiroteio, em áreas onde elas frequentam e costumam se sentir seguras.
Esses eventos impactam a sensação de segurança, embora tenhamos elementos concretos para dizer que hoje o ES é um estado menos violento que já foi no passado. Mas esse número precisa cair ainda mais, o feminicídio precisa cair ainda mais.
O crime patrimonial impacta muito a sensação de segurança das pessoas, o Estado Presente tem conseguido reduzir os homicídios, mas ele foca no crime letal intencional, o crime contra a vida. Não tem um foco direto no patrimônio. Então, as pessoas que estão na orla e que sofrem um furto ou roubo, isso impacta na sensação de segurança.
A metodologia do Estado Presente é muito boa, aprovada inclusive por organismos internacionais, que tem dado resultado. Mas não tem como fugir da sensação de segurança das pessoas.
O que falta para reduzir a criminalidade?
O crime é muito complexo. Não dá para colocar na conta das polícias toda a solução do problema. O crime é um problema que tem uma raiz que começa no social. São jovens que estão em áreas de vulnerabilidade social, que não têm oportunidades de estudo, emprego, esporte, acabam sendo cooptados pelo crime.
A saída é garantir que esse jovem, que hoje está morrendo, maioria preto, tenha oportunidade para que façam o que querem dentro da licitude: trabalhar, estudar, praticar esportes.
Quanto ao sistema prisional, precisa garantir segurança e recuperar os que são recuperáveis. Pois temos os que não são recuperáveis. Isso precisa de investimento.
Muitas vezes se investe nas polícias, mas não se investe no sistema prisional. O que gera um desequilíbrio, com as polícias prendendo, sobrecarregando o sistema e não conseguindo cumprir seu papel.
No Espírito Santo, temos o Estado Presente, que tem esse viés, de políticas transversais que passam pelo social, pelo esporte, pela qualificação. Identifica as áreas de vulnerabilidade social, em cima do maior número de homicídios, e oferece oportunidades para esses jovens. Isso é o que deu certo em vários locais do mundo que conseguiram reverter a onda de criminalidade, como na Colômbia, em Medellín.
E os jovens que já estão na criminalidade?
Temos uns jovens que são irrecuperáveis. Se são irrecuperáveis, têm que ser presos e ficar presos, respeitando sempre os direitos humanos.
Legislação
Tem espaço para melhorar, realmente é uma coisa que desmotiva muito os policiais, gera uma sensação de insegurança, impunidade e acaba estimulando o crime. O cara, preso uma vez, está morrendo de medo de ir para a cadeia, aí é solto na audiência de custódia. Depois é solto na segunda vez, na terceira… acabou, para ele não tem mais lei, não tem mais nada.
Isso precisa ser repensado. É uma discussão que a sociedade precisa fazer. Qual é o modelo de segurança pública que a gente quer?
Audiência de custódia tem um papel importante. Eu as implantei no Espírito Santo, mas precisam ser vistas com parcimônia. O objetivo é a proteção à sociedade.
Outro ponto é evitar o abuso dos policiais. Isso tem que ser rechaçado. O abuso identificado tem que ser punido severamente. Mas o criminoso que comete o crime uma vez, duas vezes, não pode ser mais solto na audiência de custódia, ele tem que ficar preso.
Penas Alternativas
É importante que as pessoas que não têm recuperação fiquem no presídio. O ser humano tem dois bens preciosos: a vida e a liberdade. Para você manter uma pessoa encarcerada, ela tem que ter cometido um crime grave. Para os crimes não tão graves, penas restritivas de direitos, de multa, são muito mais eficientes e contribuem para a segurança pública de modo macro na medida que você reduz a quantidade de pessoas presas.
Liberdade de Imprensa e redes sociais
As redes sociais, a internet, tiram algumas amarras que as pessoas têm. No tête-à-tête, a pessoa não tem coragem de falar para outra, não gosto de você, você é chato, feio… Mas quando vai para as redes sociais elas se acham no direito de falar qualquer coisa.
As pessoas têm que entender que a internet tem limites, não é terra de ninguém. O que é crime do lado de fora também é crime do lado de dentro.
Se você pratica o crime de ódio do lado de fora e faz o mesmo em uma rede social, é crime também, precisa ser punido. A liberdade de expressão não é totalmente ilimitada a partir do momento que fere outras pessoas, grupos. As pessoas acham que, em nome da liberdade, podem falar qualquer coisa, ofender, praticar racismo, inúmeros outros tipos de crime, inclusive ameaças de morte… Temos as fake-news que causam prejuízos absurdos, inclusive o risco de morte.
A liberdade de expressão não é totalmente ilimitada a partir do momento que fere outras pessoas, grupos.
Acho ser possível e necessário algum tipo de regulamentação. Mas é uma coisa complexa para não cercear a liberdade de expressão.
Cidadão Armados
Quem tem que realmente andar armado é a polícia.
Essa é a missão da polícia. Mas tomara que um dia chegamos ao patamar da Nova Zelândia, onde a polícia anda desarmada. Não acho que armas na mão do cidadão contribuem com nada. Pelo contrário, ela viabiliza mais acidentes, maiores crimes de rompantes, trânsito, com parentes, um amigo. Em 2023 foram 4 mil armas apreendidas no Espírito Santo.
Nos últimos quatro anos, houve uma enxurrada de armas sem precedentes na história do Brasil. Como a legislação foi muito flexibilizada, muitos compraram de forma legal e imediatamente transferiram para a ilegalidade.
Chegamos a prender traficantes internacionais de drogas que eram CAC’s (Colecionador, Atirador e Caçador). Se valia do CAC, mas, na verdade, era traficante internacional.
Aqui chegamos a barrar algumas compras. Os requisitos eram mínimos. Mas ainda tinha que apresentar certidão de antecedentes criminais. O traficante não tem. Aí ele pediu para um trabalhador comprar. Como uma pessoa com salário de 1,5 mil reais ia comprar três Glocks? Como ele compra isso? Ele está se alimentando de armas? Ele era uma laranja. Tentava comprar por ter uma certidão e depois passava para outras pessoas.
Então, nesses últimos quatro anos, isso foi um problema sério, que a gente enfrenta consequências durante muitos anos. Porque uma arma comprada assim, enquanto a polícia não apreender, ela estará no mercado, matando gente.
ES armamentista?
O capixaba é um apaixonado por armas de fogo. O ES é o quarto estado do país com maior número de processos de armas em números absolutos. São Paulo primeiro, depois Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo. Se formos fazer o percentual por habitante será ainda maior.
Isto é um demonstrativo do trabalho da Polícia Federal no Estado. Temos um leque de várias atribuições que as pessoas não veem. Às vezes acham que só emitimos passaporte. Mas não. Fazemos controle de estrangeiros, de armas, controle da segurança privada dos locais, de produtos químicos comercializados no Estado… Por exemplo, cada agência bancária é fiscalizada pela PF. Vamos lá, verificamos se os vigilantes estão adequados… cada carro forte, tem que ter uma licença da PF… isso tudo para dar toda segurança às pessoas.
Tivemos uma redução absurda após a revogação da legislação que abrandava esse controle. O criminoso aproveitou a brecha para comprar armas legalmente.
Afinal, é melhor arrumar uma laranja e comprar uma Glock por 8 mil reais, do que você comprar no mercado clandestino pagando 25 mil. Então eles fizeram isso. Mas muito cidadão de bem foi influenciado pela onda armamentista.
Fazemos uma avaliação muito criteriosa para liberar armas aqui. A simples justificativa da violência, que porto dinheiro, tenho muito dinheiro, tenho empresa, tenho muitos empregados… isso não é justificativa suficiente para concedermos porte de armas.
O período mais confortável da minha vida foram os três anos em que estive nos EUA e não tinha porte de arma. Podia andar desarmado. As pessoas pedem um porte de arma e não sabem as responsabilidades que têm de andar armados. Você sai com sua família, sofre um assalto. Você vai sacar, trocar tiro? Correr o risco de seu filho tomar um tiro? A arma é uma responsabilidade muito grande. A polícia precisa ainda usar arma. Quem dera chegarmos a uma evolução como na Nova Zelândia, onde nem a polícia precisa andar armada.
Suicídio e Armas
O índice de suicídio nas corporações policiais é altíssimo. Talvez seja reflexo do acesso à arma. Você está em um momento de depressão, aí você diz, eu vou me matar. Mas se você passa por isso e está com uma arma na mão?
Feminicídio
Há no Brasil, mais acentuado no Espírito Santo, uma cultura machista absurda. Isso envolve muita coisa. Os jovens não aceitam frustração, não são preparados para superar as frustrações. Crescem em famílias que nunca disseram não, onde o menino é um reizinho. Junta isso à cultura machista que ele tem que ser o pegador. Ele não ouve um não em casa. Quando começa a namorar e recebe um não, ele, opa, mas nem minha mãe, nem meu pai nunca falaram um não para mim… . Quem é você para falar não? Então, ele acha dono da menina.
Isso acaba descambando para essa violência absurda. Com as meninas totalmente fragilizadas na mão de doentes. Na visão desses ‘loucos’, eles acham que essas meninas ainda têm o que mereceu….
As famílias precisam colocar esses limites nas crianças, nos meninos. E a menina saber que ela é dona do corpo dela e se ela entrar em um relacionamento abusivo, ter apoio e saber que não irá precisar dessa submissão.
FICO – Força Integrada de Combate ao Crime Organizado
A Força Tarefa, hoje chama Fico. PF, PRF, PM, Polícia Penal, PC e no ES é o único estado que as guardas municipais da Grande Vitória também participam. Uma força tarefa contra as organizações criminosas. Todos aqui na Superintendência. Iniciamos em novembro de 2021 e em março de 2023 o governo do estado aderiu também. É uma forma da Polícia Federal assumir um protagonismo em um tipo de crime que não é nossa atribuição, que é o combate à criminalidade violenta. Como? Focamos no tráfico de armas, tráfico de drogas … o pessoal está o tempo inteiro aqui investigando… o guarda municipal, o policial federal, todos investigando. O delegado representa o mandato e eles cumprem. É papel também da FICO identificar o patrimônio e o financiamento da organização criminosa. Não adianta aprendermos a droga e prender o criminoso se ele mantém o poder financeiro, ele continua fazendo a gestão do crime até dentro da cadeia.
É uma comissão composta pela Polícia Federal, pela Marinha, Secretaria de Segurança Pública, pelo responsável pela Segurança do Porto, autoridade portuária (Vports), para fazer a segurança dos portos.
“Como o Espírito Santo é muito rico em portos, a Cesportos ganha uma projeção e importância muito grande. Há uma conexão forte entre PF e Cesportos, portanto a PF é a coordenadora, que agora passou a ser eu. Para ter ideia, nos últimos dois anos foram apreendidas 5 toneladas de cocaína nos portos do Espírito Santo, isso tudo impacta na atividade econômica. São as organizações criminosas que utilizam a rede portuária para enviar cocaína para Europa. É importante cada vez mais o trabalho da Cesportos junto aos órgãos de segurança.
Cada porto, mesmo privado, tem sua segurança independente. Mas que são obrigadas a submeter o plano de segurança à Cesportos e aí o colegiado aprova esse plano. E precisa ser readequado a cada vez que é identificado algum risco ou acontece algum incidente, acidente, encontro de drogas.
Fotos – www.vilavelhaemdia.com.br