A regularização fundiária do Parque Nacional do Itatiaia (PNI), na região sul do Rio de Janeiro, tem gerado tensão desde que foi iniciada, em 2005. A polêmica ganhou novos contornos recentemente, com denúncias que envolvem perseguições a moradores, adulteração de mapas e até por suposto crime ambiental e suspeita de grilagem de terras praticados pelo coordenador da regularização, Walter Behr. No centro da controvérsia está o Ministério do Meio Ambiente, atualmente comandado por Marina Silva e também responsável por trazer o analista ambiental Walter Behr para o PNI em 2005.
O escolhido da Ministra foi exonerado em 2012, quando se viu envolvido num escândalo de um evento internacional, o ECOMOTION/Pro em 2006, autorizado unilateralmente pelo Walter Behr. Foi aberto dois inquéritos civis contra ele, envolvendo crimes contra o meio ambiente dentro do parque. O resultado da investigação dos inquéritos civis foi a abertura de uma Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa em 2015, que foi arquivada de forma controversa em 2023, tendo como defesa o advogado Roberto Podval, um dos mais caros do país.
O público local e os conselheiros do parque não ficaram sabendo do escândalo praticado pelo Walter Behr no caso da ECOMOTION/Pro e nada foi dito sobre o novo suposto crime ambiental de Walter Behr em Bananal, quando foi autuado em 30 de setembro de 2020 pela prática ocorrida em sua própria RPPN Rio Vermelho, processo que tramita no foro de Bananal/SP. Em 6 de janeiro de 2021, ele compareceu à Delegacia de Polícia de Bananal para prestar esclarecimentos, em razão da denúncia já oferecida ao Ministério Público. Contudo, após 2021, Walter Behr deixou de ser citado no processo por um longo período, sob a justificativa de que estaria em trabalho remoto fora do país na Alemanha — uma justificativa, porém, que pode ser contestada: a parceria entre o Brasil e o Parque Nacional da Floresta Negra só começou a ser formalizada em 2025.
E mais, parece ter havido conluio de seus superiores, pois mantiveram fora do país por muitos anos um servidor investigado no Brasil. Foi somente em 25/9/2024, quando o Juízo de Bananal/SP oficiou a Justiça Federal de Resende/RJ visando obter seu paradeiro, que ele foi finalmente citado no processo.
Ainda relacionado à Bananal, foi noticiado no começo desse ano uma outra potencial e grave denúncia protocolada no Ministério Público Estadual e Federal. Foram encontrados fortes indícios envolvendo a propriedade do Walter Behr, com base em documentos oriundos do cartório de registro de imóveis em Bananal, que envolvem possivelmente grilagem de terras, falsificação de documento público, dentre outros, todos relacionados à apropriação indevida de terras. Segundo as matrículas do cartório, a RPPN de Walter Behr triplicou sem qualquer justificação documental, exceto um documento obtido junto ao ICMBio em 11/11/2021, onde quem assina é ele próprio e um seu superior.
O MPE de Bananal encaminhou o processo para a delegacia e está efetuando diligências e já virou um Processo de Investigação Criminal no MPF de Taubaté, pois os crimes potenciais são também de ordem federal. No meio das investigações, o presidente do ICMBio, Mauro Pires, publicou um despacho em 17/6/2025, autorizando Walter Behr a participar de atividades no Parque Nacional da Floresta Negra na Alemanha entre os dias 18 a 29 de julho desse ano.
Walter Behr ficou à frente do contrato do PNI com a Toposat
Em maio, a Polícia Federal deflagrou uma operação em Mato Grosso do Sul que teve como alvo a empresa Toposat, investigada por “grilagem” em áreas da União. A empresa, que não é desconhecida entre os moradores do parque, atuou entre 2015 e 2020, e prestou serviços técnicos no processo de regularização fundiária do PNI, sob a coordenação de Behr. O único contrato disponível é de quase um milhão de reais válido apenas por dois meses, embora tenha trabalhado por seis anos para realizar levantamentos georreferenciados da área, após a ampliação do parque determinada pelo Decreto Federal nº 87.586, de 1982.
O dono da empresa também foi condenado por crimes ambientais: Mário Maurício Vasques Beltrão, segundo matéria de Campo Grande News de 8/5/2025 foi obrigado a pagar R$ 440 mil por desmatamento no Pantanal. Outra matéria da UOL Midiamax publicada no dia 9/5/2024, mostra que Beltrão também foi alvo também de multa pesada contra incêndio no Pantanal. Péssimo para imagem de um órgão ambiental como o ICMBio.
Segundo matéria publicada pelo jornal Correio Sul Fluminense, do Grupo Correio da Manhã, os limites definidos pela Toposat não batem com o decreto oficial do PNI, nem com os estudos técnicos de 1982. A mesma matéria também aponta erros nos memoriais descritivos das propriedades atingidas. Conselheiros do parque chegaram a solicitar, sem sucesso, cópia do contrato firmado com a Toposat.
Além disso tudo, Walter Behr, que chefiou o parque entre 2005 e 2012, e seu parceiro Gustavo Tomzhinski, que chefiou o parque de 2012 a 2020, são acusados por moradores da parte baixa da reserva de perseguição e difamação ao utilizar um mapa de origem duvidosa para alegar que as terras ocupadas pelas famílias da Associação dos Amigos de Itatiaia (AAI) já pertenciam à União desde 1914. Baseando-se nesse argumento, os moradores foram chamados de “proprietários ilegais, veranistas, especuladores imobiliários”, conforme documento distribuído para lista de e-mails e publicado em um site como “Esclarecimentos da Chefia do PNI” e em várias reportagens. Até a Ministra Marina Silva em 2009 fez as mesmas acusações contra essas famílias. Walter e Gustavo continuam trabalhando no PNI até hoje.
Essas acusações, incluindo a suspeita de fraude cartográfica e campanha difamatória, foram arquivadas sem diligências pelo Ministério Público Federal em Resende-RJ, mas agora estão sob investigação em outros estados. Segundo a fonte ouvida pelo veículo do Grupo Correio da Manhã: “– Em 2008 os servidores fizeram um amplo uso de um mapa apócrifo com aba dobrada, uma simples cópia de outro mapa nunca apresentado, para alegar que os dois núcleos agrícolas federais de 1908 (uma vasta área urbana hoje de Visconde de Mauá e três bairros na parte sul) já faziam parte da área do PNI de 1937. Na verdade, tem que ser desde 1914, porque a área do PNI de 1937, de 11.943 hectares, é a mesma da Reserva Florestal de 1914.”
Com base nessa desinformação, várias famílias foram tratadas como proprietárias irregulares e invasoras do parque, mesmo todas tendo matrículas na prefeitura (pagantes de IPTU) e escritura de registro de imóvel. Sem falar que os mapas e documentos oficiais dos órgãos gestores provam que essa premissa do Walter Behr, defendida também por Gustavo Tomzhinski, é um grande engodo, mas a autarquia e o MMA nunca tomaram providências contra essa informação sob denúncia de falsidade ideológica introduzida nos seus órgãos e na Justiça Federal.
Luxo em área de reserva
Em 2015, a polêmica ganhou um novo capítulo. Após a desapropriação da casa da família Bodini, próxima ao histórico Hotel Donati, o imóvel passou a ser reformado com dinheiro do próprio Walter Behr e usado como residência pela sua família. Ali, ele viveu até 2023, em uma estrutura que incluía salão de festas, horta, piscina e caramanchão, além de várias suítes, tudo dentro dos limites do parque.
O caso gerou revolta entre os moradores, que viram suas casas desapropriadas sob a justificativa de conservação ambiental. Em 2023, o imóvel usado pelo Walter Behr foi entregue para a concessionária do PNI e está sendo alugado para festas e eventos, como mais uma forma de obtenção de lucros para essa empresa.
ICMBio e direção do parque se defendem
Em nota enviada ao mesmo veículo jornalístico, a direção do PNI esclareceu que a contratação da Toposat foi feita via processo licitatório nacional, conduzido na sede do ICMBio. “O contrato com vigência entre 2015 e 2020 previu a realização de serviços relativos à regularização fundiária, tais como levantamentos topográficos de propriedades públicas e privadas e relatórios de vistoria em diversas unidades de conservação no Brasil, incluindo o Parque Nacional do Itatiaia”.
Ainda segundo a nota, a Toposat venceu o certame regionalmente e alguns dos produtos entregues foram rejeitados após fiscalização técnica. Sobre a reforma da casa, a direção do parque afirmou: “Essa questão da casa funcional já foi objeto representação apresentada pela AAI junto ao MPF de Resende, e arquivada por ausência de qualquer ilegalidade apontada pela representada. A decisão referendada pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal”.
Em relação aos limites do parque, o ICMBio reafirma que a delimitação oficial está no Decreto nº 87.586/82 e que a Toposat não tinha autorização para definir novos limites. O mapa oficial está disponível no site da autarquia (link: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/dados_geoespaciais/mapa-tematico-e-dados-geoestatisticos-das-unidades-de-conservacao-federais)
Quanto aos mapas, o instituto reforça que os limites oficiais são os do Decreto 87.586/1982 e que ações judiciais movidas pela AAI foram “julgadas improcedentes”, inclusive no STJ. O MPF também se manifestou nos autos afirmando: “Finalmente, quaisquer dúvidas que eventualmente existiram sobre os limites do parque foram totalmente superadas pelo Decreto 87.586/82, que é o marco legal vigente que deve pautar a gestão do Parque Nacional do Itatiaia”.
A decisão do processo 004766875.2012.4.02.5101 foi confirmada definitivamente pelo Superior Tribunal de Justiça em 2024.
A defesa do ICMBio é fraca
Embora não haja legislação que impeça que um coordenador de regularização fundiária não possa residir com a sua família em um imóvel luxuoso por tantos anos, a contradição é evidente: os imóveis são desapropriados pela autarquia pelo argumento que provocam dano ambiental pelos seus moradores. Não faz sentido a autarquia alegar um dano ambiental, dando como exemplo um servidor praticando o mesmo dano ambiental e mais, drenando um riacho para manter a piscina para seu uso próprio. Isso em termos jurídicos chama-se tredestinação.
Em relação à manifestação do MPF sobre a questão dos mapas, a afirmação que isso teria sido resolvido nos autos dos processos, sem apresentar qualquer sentença a esse respeito, é totalmente imprecisa. Na verdade, nem o MPF nem a Justiça Federal jamais fizeram uma produção de provas e nunca deram direito ao contraditório nesse caso. É um claro exemplo de parcialidade inadmissível. No caso do MPF, a procuradora Izabella Marinho Brant a frente desses processos, foi alvo de ação de suspeição por falta de imparcialidade.
Já o Decreto 87.586 deveria ter reproduzido as coordenadas do estudo técnico que o precedeu, um documento oficial do IBDF, antigo ICMBio, conforme a vigência da lei na época. No entanto, das 84 coordenadas produzidas no estudo, só existem 57 no Decreto. Somando os erros e omissões, o Decreto 87.586 possui 42 erros que representam metade de todo o estudo feito. Além do limite geográfico do Decreto ser diferente do estudo técnico, a Toposat foi capaz de gerar um novo limite diferente e eles só podem ser incontroversos se for possível assumir que os limites de uma unidade de conservação podem ser feitos sem qualquer embasamento técnico e legal.
Sobre as sentenças apresentadas pelo ICMBio como tendo teor definitivo, falta apreciar o contexto: algumas ações falavam apenas de caducidade temporal para desapropriar, algo que não é mais discutido e outras são tramitação de liminares, onde ainda não foi feito o julgamento de mérito. Uma das ações foi extinta sem julgamento do mérito. Enquanto o mérito das ações não for julgado dentro das causas de pedir atuais, o ICMBio apenas faz uso do poder gigantesco para jogar a opinião pública contra famílias honestas.
O que ainda está em jogo
Enquanto o MPF de outros estados retoma as investigações das denúncias arquivadas em Resende (RJ), moradores seguem pressionando por respostas. O caso expõe não só falhas na gestão ambiental, mas um padrão de conflitos fundiários que, segundo os atingidos, “transformou suas vidas em um inferno e um desastre social”, aparentemente uma prática encontrada em várias outras unidades de conservação do Brasil. Essa política não é só contra comunidades históricas, mas também contra comunidades tradicionais, como seringueiros, caiçaras, indígenas, quilombolas e pequenos agricultores. E a um custo do erário público altíssimo, o que mostra a ineficiência de uma política de visão única – a da expulsão das famílias das comunidades, tradicionais ou não, mesmo que protetoras da natureza – via perseguição e compra de imóveis que depois são abandonados ou entregues para exploração econômica de empresas privadas. E o mais peculiar de tudo: ICMBio nunca recuperou nenhuma área degradada, só criou parques mal fundamentados, quase sempre em áreas florestadas já protegidas pelas comunidades que ali viviam e que, depois disso, são tratadas como inimigas.